À beira da Via Dutra, em Guararema, próximo à capital paulista, fica a Escola Nacional Florestan Fernandes. Construída inteiramente por voluntários, ali funciona um centro de formação idealizado pelo Movimento dos trabalhadores rurais sem terra. Inaugurada em 2005 e majoritariamente financiada pelo livro e CD Terra, de José Saramago, Chico Buarque e Sebastião Salgado, a instituição homenageia o educador Florestan Fernandes, defensor de uma educação pública de qualidade para todos.
O
local abriga três pequenos prédios de alojamento, refeitório e diversas salas
de aula e auditórios, cada um dedicado a nomes emblemáticos da luta por justiça
social, como Rosa Luxemburgo e Patativa do Assaré. Há também a casa de artes
Frida Kahlo, de bambu e pau a pique, duas hortas, galinheiro e uma creche para
os filhos de alunos e professores. Tudo feito com tijolo ecológico
confeccionado localmente, sem uso de fogo. Ali os cursos de formação reúnem gente
vinda de todo o mundo, para resumir países cujo nome nunca havia ouvido antes,
como uma ilha minúscula perto de Madagascar, que, como nós, também sofre com o
uso de venenos agrícolas e a consequente extinção de animais silvestres e
insetos. Os diversos povos presentes na escola trazem suas cores e cantos criando
uma atmosfera de magia. De manhã, acordava com cantos africanos tão lindos que
pareciam uma gravação, mas improvisados ali.
Foi
lá que assisti, há cerca de um mês e em meio a esse ambiente multicultural, ao encontro internacional
– principalmente latino – entre pesquisadores, agricultores e movimentos
sociais que lutam pela saúde no campo, organizado pela Campanha Permanente
Contra os Agrotóxicos e pela Vida (www.contraosagrotoxicos.org). E uma das coisas em comum entre nós, países em
desenvolvimento, é a atual e recente dominação de um sistema de produção
agrícola perverso, resultado da tal revolução verde, pós segunda guerra. O
leitor pode encontrar mais detalhes sobre o assunto no sítio acima.
A
forma mais simples de explicitar o que acontece hoje no campo brasileiro – e,
paralelamente, em cantos pobres do globo – é a captura da capacidade de governança
dos estados pelo capital financeiro. E um dos sintomas são as gigantes
corporações, tais como Bayer, Singenta, Monsanto, et cetera, que detêm o monopólio da comercialização de sementes
modificadas (ou transgênicas) e agrotóxicos, um pacote que o agricultor é
impelido a consumir até mesmo para acessar fundos de crédito, uma evidência do
poder de lobby dessas empresas. Além
de dominarem o chamado agronegócio (aquele de grande extensão dos grandes
empresários de soja, milho, cana, etc), essas corporações também convenceram famílias
que há mais de 12 mil anos cultivam alimentos sem veneno a modificar o modo de
produção em nome de uma “segurança” (já que o veneno extermina insetos e
plantas indesejadas) que degreda a saúde de quem trabalha no campo, e a de quem
consome esses alimentos: o acúmulo de agrotóxico gera inúmeras doenças no ser
humano e no meio ambiente.
Neste
encontro, foram inúmeros os relatos de quem vive e de quem pesquisa a realidade
agrária, numa enriquecedora troca de experiências. Lá estava a lavradora
Petrona Talavera, que em 2003 perdeu um de seus filhos e teve a família toda
intoxicada por agrotóxico vindo de propriedade vizinha, no interior do
Paraguai. Perdeu inclusive toda a criação de peixes, teve a lavoura envenenada e
ainda hoje luta por justiça. Aqui no Brasil não é tão diferente: foram registrados 34.147 casos de intoxicação por agrotóxicos entre os anos de 2007 e 2014, segundo dados do Sinan, fora os não registrados.
Do
sertão pernambucano, outra militante, Edna Santos, me contou que o veneno nas
mangas e uvas ali é pesado, pois as frutas têm que ser “perfeitas” – e são
muitos também os casos de câncer na região, que é uma das mais importantes
produtoras das variedades frutíferas citadas para todo o país. O advogado
Preston Peck, dos Estados Unidos, falou sobre o extermínio em massa das abelhas
em função do uso de agrotóxicos, insetos essenciais para o equilíbrio do meio
ambiente e para a produção agrícola. Os pesquisadores argentinos relataram que
os efeitos danosos na saúde de seu povo, depois da tomada do agronegócio no
território, são catastróficos. O mesmo acontece no Brasil, onde hoje, por
exemplo, o pequeno agricultor não pode produzir a sua própria semente de milho
sem ameaças, a legislação busca impedir que produtores agrícolas com
conhecimentos tradicionais, muitas vezes em vias de extinção, coloquem em
prática seus saberes, pois devem obrigatoriamente comprar a semente da
indústria. O que os pesquisadores argumentavam em coro nas discussões é que já
não podemos deixar de olhar para a saúde pública e socioambiental em nome de
interesses financeiros; precisamos, mais do que nunca, mudar de rumo.