terça-feira, 29 de novembro de 2016

Sobre os Diálogos internacionais sobre os impactos dos agrotóxicos



À beira da Via Dutra, em Guararema, próximo à capital paulista, fica a Escola Nacional Florestan Fernandes. Construída inteiramente por voluntários, ali funciona um centro de formação idealizado pelo Movimento dos trabalhadores rurais sem terra. Inaugurada em 2005 e majoritariamente financiada pelo livro e CD Terra, de José Saramago, Chico Buarque e Sebastião Salgado, a instituição homenageia o educador Florestan Fernandes, defensor de uma educação pública de qualidade para todos.

O local abriga três pequenos prédios de alojamento, refeitório e diversas salas de aula e auditórios, cada um dedicado a nomes emblemáticos da luta por justiça social, como Rosa Luxemburgo e Patativa do Assaré. Há também a casa de artes Frida Kahlo, de bambu e pau a pique, duas hortas, galinheiro e uma creche para os filhos de alunos e professores. Tudo feito com tijolo ecológico confeccionado localmente, sem uso de fogo. Ali os cursos de formação reúnem gente vinda de todo o mundo, para resumir países cujo nome nunca havia ouvido antes, como uma ilha minúscula perto de Madagascar, que, como nós, também sofre com o uso de venenos agrícolas e a consequente extinção de animais silvestres e insetos. Os diversos povos presentes na escola trazem suas cores e cantos criando uma atmosfera de magia. De manhã, acordava com cantos africanos tão lindos que pareciam uma gravação, mas improvisados ali.

Foi lá que assisti, há cerca de um mês e em meio a esse ambiente multicultural, ao encontro internacional – principalmente latino – entre pesquisadores, agricultores e movimentos sociais que lutam pela saúde no campo, organizado pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida (www.contraosagrotoxicos.org). E uma das coisas em comum entre nós, países em desenvolvimento, é a atual e recente dominação de um sistema de produção agrícola perverso, resultado da tal revolução verde, pós segunda guerra. O leitor pode encontrar mais detalhes sobre o assunto no sítio acima.

A forma mais simples de explicitar o que acontece hoje no campo brasileiro – e, paralelamente, em cantos pobres do globo – é a captura da capacidade de governança dos estados pelo capital financeiro. E um dos sintomas são as gigantes corporações, tais como Bayer, Singenta, Monsanto, et cetera, que detêm o monopólio da comercialização de sementes modificadas (ou transgênicas) e agrotóxicos, um pacote que o agricultor é impelido a consumir até mesmo para acessar fundos de crédito, uma evidência do poder de lobby dessas empresas. Além de dominarem o chamado agronegócio (aquele de grande extensão dos grandes empresários de soja, milho, cana, etc), essas corporações também convenceram famílias que há mais de 12 mil anos cultivam alimentos sem veneno a modificar o modo de produção em nome de uma “segurança” (já que o veneno extermina insetos e plantas indesejadas) que degreda a saúde de quem trabalha no campo, e a de quem consome esses alimentos: o acúmulo de agrotóxico gera inúmeras doenças no ser humano e no meio ambiente.

Neste encontro, foram inúmeros os relatos de quem vive e de quem pesquisa a realidade agrária, numa enriquecedora troca de experiências. Lá estava a lavradora Petrona Talavera, que em 2003 perdeu um de seus filhos e teve a família toda intoxicada por agrotóxico vindo de propriedade vizinha, no interior do Paraguai. Perdeu inclusive toda a criação de peixes, teve a lavoura envenenada e ainda hoje luta por justiça.  Aqui no Brasil não é tão diferente: foram registrados 34.147 casos de intoxicação por agrotóxicos entre os anos de 2007 e 2014, segundo dados do Sinan, fora os não registrados.

Do sertão pernambucano, outra militante, Edna Santos, me contou que o veneno nas mangas e uvas ali é pesado, pois as frutas têm que ser “perfeitas” – e são muitos também os casos de câncer na região, que é uma das mais importantes produtoras das variedades frutíferas citadas para todo o país. O advogado Preston Peck, dos Estados Unidos, falou sobre o extermínio em massa das abelhas em função do uso de agrotóxicos, insetos essenciais para o equilíbrio do meio ambiente e para a produção agrícola. Os pesquisadores argentinos relataram que os efeitos danosos na saúde de seu povo, depois da tomada do agronegócio no território, são catastróficos. O mesmo acontece no Brasil, onde hoje, por exemplo, o pequeno agricultor não pode produzir a sua própria semente de milho sem ameaças, a legislação busca impedir que produtores agrícolas com conhecimentos tradicionais, muitas vezes em vias de extinção, coloquem em prática seus saberes, pois devem obrigatoriamente comprar a semente da indústria. O que os pesquisadores argumentavam em coro nas discussões é que já não podemos deixar de olhar para a saúde pública e socioambiental em nome de interesses financeiros; precisamos, mais do que nunca, mudar de rumo.