quando pequena eu mesma decidi que precisava ser estudiosa, responsável e guardar as emoções mal-vistas. essa parece uma marca indelével, a de não agir no mundo a partir do meu desejo e da minha necessidade, mas a partir do olhar do outro.
quando íamos ao hospital a psicóloga me perguntava se estava tudo bem. na frente do meu pai, eu engolia o choro e dizia que sim, era ótima aluna e assim o veredito era de que estava tudo bem e eu nem sabia a razão do choro que queria sair. não entendo até hoje porque eu tanto precisava esconder o meu sofrimento infantil e por que ele era tão pesado. nem tenho consciência do quanto eu devia sofrer com bullying e coisas do tipo. talvez eu achasse que já dava trabalho bastante para os meus pais e não queria gerar mais problemas sendo emocionalmente fraca.
existia um movimento na vida enquanto eu crescia: tentar pertencer, ser querida e amada ao mesmo tempo em que evitava a todo custo ser rejeitada. ao menor sinal de que seria rejeitada eu me distanciava, talvez vivesse até numa eterna paranoia e medo de ser excluída e via sinal onde não tinha.
uma vez, aos 9 anos, as meninas da escola onde eu estava, que era bem legal, foram pro ponto de ônibus sem me chamar, quando costumávamos ir juntas. isso me afetou tanto e me senti retirada do grupo. pedi a minha mãe para mudar de escola e ela assim o fez. hoje me pergunto se essa questão não poderia ter sido superada, mas ela tentou o tempo todo me proteger da dor e não encará-la. eu sozinha entendi que a dor era suportável e que quanto mais eu a abraçasse, menor ela ficava.