domingo, 8 de outubro de 2017

a dor e a cor do veneno

aqui na casa de baixo tá morando uma família humilde e simpática, mais bonito é ver que são dos poucos negros aqui na cidade, pelo menos no meu bairro. certeza que na periferia é diferente. mora aqui a matriarca e os filhos sempre vêm visitar, é belo o jeito como se deslocam descontraídos, às vezes via o filho sentado no chão quase deitado, como num divã, bem relaxado como os indianos, ao invés de manter o corpo tenso e ereto como manda algum tipo de bom comportamento.

moram aqui há alguns meses mas nunca se estabeleceu uma troca mais profunda entre nós, poucas vezes fui lá colher manjericão, pois antes usávamos o quintal como extensão pro café, pra couve e os pés de manjericão.


hoje ouvi uns choros, vindos de lá, que às vezes pareciam risos, um tipo de choro forte e descontrolado. olhei de soslaio e notei que algo grave acontecera, senti fundo o pesar daquela casa vizinha, movimento de entra e sai, cabeças baixas de gente que não se conforma. logo avistei a senhora, desconsolada, cercada pelas filhas, e notei que o filho não estava. 

ele tinha 33  e andava reclamando de dor no peito, das coisas que sentia depois de ter trabalhado na plantação de batata. faleceu por problemas cardíacos, que é uma das consequências de um dos agrotóxicos mais utilizados no Brasil, o glifosato. um rapaz da minha idade, mal atendido pela saúde pública, e quiçá afetado também pela falta de informação.  

mal conheço as vizinhas mas foi duro presenciar a dor da impermanência, e de uma injustiça social que é acionada na vida e na morte. por que será que a gente segue ignorando um problema tão grande e que mata tanto? será porque quem planta e morre com facilidade é pobre, simples assim? será pel
a falta de trabalho, que faz com que as pessoas se sujeitem a situações degradantes? ou, mais do que tudo, à estupidez da lógica do agronegócio, que vê lucro e não vê gente? 

o século XXI taí pronto pra mudanças de paradigmas, por gentileza.  




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