sábado, 7 de maio de 2022

O agro* não é pop e seu dano vai muito além do veneno

A cidade de Itaituba fica na beira leste do rio Tapajós, no estado do Pará, e sua arrecadação vem principalmente do garimpo ilegal e dos portos que escoam os subprodutos do agronegócio em direção a Manaus, em balsas pelo rio. 

Do lado oeste, em Mirituba, o intenso tráfego de carretas vindas do centro-oeste por uma Transamazônica já esburacada significa perigo para as populações locais. Como os/as motoristas ganham por produção, muitas vezes não se dão ao trabalho de zelar pela vida das populações nas beiras da rodovia. 

Os grandes silos na beira do Tapajós estocam farelo de soja e de milho além de outros produtos a serem exportados, como o que chamam de mistura do petróleo, que se tornará combustível. Pode-se sentir o fedor da soja que cai dos caminhões e se acumula nas laterais das estradas. 

Do lado leste, em Itaituba, o foco é o garimpo. Autodenominada de "cidade pepita", celebra descarada e institucionalmente uma prática feita em sua maioria de maneira ilegal, que polui os rios e invade territórios indígenas e florestas nacionais. 

A verdade é que a porteira foi aberta não só para o boi ocupar a Amazônia e o Cerrado, mas para a grilagem com diversos fins, a extração ilegal de madeira e castanha, a pesca e a caça ilegais, a construção de hidrelétricas, o garimpo e a mineração predatória, além do agronegócio. 

As chamadas Terras Indígenas (TIs) vão sendo espremidas por empreendimentos que crescem exponencialmente. Muitos de nós não notamos a gravidade da situação por vivermos tão longe de onde ela se passa. 

Pude testemunhar a rotina na aldeia Sawre Muybu, que depende da água do rio para banhar, pescar e lavar roupas e da floresta para se alimentar e se conectar com uma mata que em sua cultura significa não só as árvores, mas os animais e as populações convivendo em harmonia. 

Para os Munduruku a caça e a pesca são feitas a rigor pela necessidade: o espírito da floresta pode ficar bravo caso a caçada seja feita em excesso. 

Mas os empreendimentos do homem branco não têm nenhum conhecimento da cultura indígena local, destruindo locais sagrados e triturando resquícios de uma antiga civilização como se isso fosse o progresso. 

Os Munduruku tiveram uma cachoeira de seu território destruída pelo canteiro de obras da hidrelétrica São Luís. Segundo a cosmologia Munduruku, essa cachoeira seria um local sagrado, onde se reuniam as almas desencarnadas do povo. 

Segundo o cacique Juárez, elas agora vagam sem lugar e os pajés se preocupam com a raiva e a tristeza que pesam sobre seus ancestrais.

As urnas de barro, peças arqueológicas encontradas pela obra, foram umas levadas para um museu e outras destruídas. Os Munduruku conseguiram resgatar algumas delas mas ainda seguem em busca do restante. 

A saúde na aldeia, assim como para todos os povos originários do país, está sucateada mais do que nunca nos últimos anos. Não há estrutura nem material adequado para a equipe trabalhar. 

A escola de ensino médio local recebe o professor mas o Estado não provê merenda nem transporte para os jovens que vêm das aldeias vizinhas para estudar. 

Até para a internet a aldeia precisa se mobilizar para arcar com os R$1.300 mensais cobrados por uma fraca conexão via satélite. Sem contar o esforço anual de autodemarcar o território já que a Funai deixou de oferecer a proteção adequada nos últimos anos. 

Seja os Munduruku do Tapajós ou os Kiriri do sul de Minas, todos os povos indígenas merecem acesso à saúde e educação de qualidade, além do devido apoio para manter seu território e o bem estar de sua comunidade. 

E só com um esforço coletivo poderemos fundar um outro modelo de desenvolvimento, que implique em valorizar saberes ancestrais de modo a restituir o que temos sistematicamente destruído. 

* o agro serve de metáfora para tantos empreendimentos cruéis que tomam nosso país.

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