o eu que se contradiz
falas e avessos que teimam em surgir, mais algum pensamento momentâneo
segunda-feira, 12 de maio de 2025
gostosa...
Ele dorme quando ela o acorda já com a mão em seu pau. Não entende como ele a faz tão molhada, ou melhor, como alguns a fazem tão excitada enquanto outros não. Precisa se dedicar à arte da sedução, coisa pra que leva jeito.
03/11/2010
obsessão infantil
meu grande problema na infância era o nariz torto.
sonhava com meus 15 anos quando me fora prometido fazer uma plástica que o consertaria.
o combinado não se confirmou e aos 17 entendi que o nariz nunca seria como eu esperava.
os médicos tinham se dado conta que era mais fácil consertar o nariz do bebê do que deixar ele crescer tão torto como o meu.
implorava por uma caixa de bubbaloo quando tirasse o aparelho dos dentes, adorava chiclete mas era proibida. era também proibida de molhar o ouvido, nada de ondas, mergulhos ou loucuras.
é estranho que tudo isso pareça tão longe, mas de alguma forma ainda esteja tão presente: um nariz protagonista que me liderou rumo à busca de algum outro sentido.
domingo, 11 de maio de 2025
os primeiros dez dias no vipassana
0 | coma bem antes de chegar!
deixamos o Rio ao
meio-dia de van em direção a Miguel Pereira.
meu almoço tinha sido só um pouco de batata e peixe, precisava sair às 11h30 para o ponto de encontro e não costumo comer tão cedo.
no caminho comi um chocolate um pouco também pela
aflição de estar parada dentro da van que aguardava numa ladeira em meio
às obras na sinuosa serra, o que me pareceu na ocasião exatamente igual
às estradas indianas e seu caos inerente. sentia como se ali estivesse
entregue ao acaso causador de tragédias: o guindaste ia e vinha sem
conseguir carregar as vigas de aço que supostamente deslocadas nos
permitiriam seguir viagem.
afinal milagrosamente nos movemos e cheguei faminta ao centro de meditação.
fui orientada e me instalei no mesmo quarto da Rebeca, uma pernambucana simpática com quem tinha muito em comum. conversamos pelo tempo que foi possível antes de começar o nobre silêncio. a terceira cama ficou por sorte vazia.
entreguei à gerência o meu celular, a passiflora (aqui são proibidos remédios e outras substâncias) e o que tinha de comida na minha bolsa sem pensar que ficaria com fome por horas, até servirem uma sopa rala de abóbora, pão e manteiga. juro que devorei 4 torradas no afã de resolver a questão, que voltaria todo dia.
a
partir do dia 1 já não haveria jantar, apenas um lanche que consistia em
duas frutas pequenas à sua escolha: maçã ou banana não muito madura e
fria, chá e leite quente.
no refeitório, me sentava ao lado de uma canadense jovem que estava sempre me olhando ou olhando para o meu prato, talvez analisando o que minha escolha alimentar revelava ou a forma como as brasileiras comem.
para criar algo atraente no lanche decidi colocar leite na cumbuca e misturar com banana amassada e mascavo criando uma espécie de mingau. foi uma péssima ideia pois o leite me deu gases nos primeiros dias e pra piorar entupiu o meu ouvido enquanto eu lutava para resistir à bebida quente, e única coisa que me parecia digna, diariamente às 17h.
claro que na meditação eu lembrava que se meu ouvido continuasse assim não saberia para onde me encaminhar, na cidade caótica do Rio, e que essa seria uma questão difícil pois lá o SUS é entupido e não funciona tão bem quanto no interior.
1 | como aguentar esses pensamentos por 9 dias?
acordamos
às 4h e meditamos durante a maior parte do dia, algumas vezes em grupo
na sala de meditação, noutras no próprio quarto, à sua escolha.
comecei a me alongar no tempo livre executando asanas simples e posturas
de permanência mais longa, tipo um yin yoga, o que ou me preparava ou
me aliviava das longas horas sentadas.
sentamos e levamos a atenção para baixo das narinas, só isso. impossível era manter a atenção ali por mais de dez segundos. todos os pensamentos vinham à mente sem cessar:
"sou a pior pessoa do mundo, nada vai dar certo, eu só perco tempo, não sei para onde ir, devia ter feito isso, devia ter feito aquilo, sou uma ingrata, por que aceito migalhas e relações tóxicas? por que não sou grata? devo ter mais mágoas e rancores do que todas essas mulheres, eu guardo tudo, não sei lidar com as emoções, ai, não vou aguentar mais nove dias pensando tudo isso, que insuportável..."
em
alguns momentos me sentia sem fôlego, como se uma espécie de ansiedade
se apoderasse de meu corpo e não me permitisse respirar profundamente.
voltava para o nariz e acontecia tudo de novo, turbilhão de pensamentos,
incessantemente. uma das saídas para isso tudo era a equanimidade,
relaxar no que estava acontecendo melhorava grande parte da aflição. e
nisso devo concordar com o Vinicius, para quem no Vipassana falta um
foco maior no cultivo da equanimidade.
esse foi o dia mais
difícil da jornada, entendo agora. a perspectiva de seguir vivenciando
pensamentos densos e violentos foi ruim, embora não tenha pensado em ir
embora. de alguma maneira entendi que tudo era parte do processo, como o
que se repete nos ensinamentos: tudo é impermanente.
neste
primeiro dia me senti confortável sentando, ainda sem dores e
razoavelmente animada pelo que viria, mas com medo de suportar minha
própria mente por tanto tempo. percebi também que trouxera pouca roupa,
nenhuma toalha de rosto ou manta extra, o que me fez falta nesses 11
dias.
uma das belezas dessa prática é a simplicidade, não é preciso nenhum ritual para sentar ou para meditar, é direto e pragmático: só observe. como sempre tive dificuldades com esse mundo místico, senti como se o caminho budista, que de alguma forma é representando aqui, fosse uma direção com a qual me sinto confortável.
eu mesma tenho um perfil austero e sou
considerada por alguns como sendo fria. sei que não sou, mas eu ajo com
certa distância e objetividade, sem dar tanto espaço para arroubos
emocionais e essa é a personalidade que me foi forjada.
2 | apaziguamento e prisão de ventre
percebi
que meus dois desafios principais seriam resistir ao leite quente e ao
sono excessivo. acordar às 4h da manhã me parecia tarefa inútil para
quem já vai passar umas 10 horas por dia meditando.
em
contraponto, sentia um bem estar imenso em somente
sentar e fazer nada, quando era possível encontrar uma tranquilidade em
meio aos pensamentos. descobrir a posição adequada levou um tempo, aumentei as almofadas,
diminui de novo, olhei para alunas
antigas até encontrar o formato ideal.
o café da manhã servido às 6h30 era uma delícia, mas eu não tinha fome o suficiente neste horário, nos primeiros dias. em compensação de tarde eu sonhava com o que iria comer quando saísse daqui enquanto me entupia de leite quente. misturava com chá na tentativa de aliviar a lactose, como se fosse um chai. mas aqui não havia especiarias suficientes para me ajudar a digerir esse leite de vaca.
o almoço, servido às 11h da manhã, também era uma delícia, e eu comecei comendo o máximo que conseguia para depois ir diminuindo. de fato, fica difícil meditar enchendo a barriga irracionalmente. então passei a usar somente a cumbuca e comia o que cabia nela, evitando excesso de salada crua e me focando na comida cozida, que é sempre a minha predileta. mais um caso de apego da minha pessoa, comida cozida e leite quente até aqui.
comecei a sentir dores na lombar e
pedi à gerente (a única com quem podíamos falar) que me liberasse usar
uma cadeira de meditação. ela não concordou e me disse que as dores eram
parte do processo, que se não houvesse uma condição que me recomendasse
a cadeira eu deveria evitar. dessa forma, fui ativando o mula e
udhyana bandha na intenção de garantir o conforto da lombar, mas aos
poucos percebi que uma super ativação também gerava dor, a solução era o
caminho do meio, nem tão descontraída nem tão ativada na região pélvica
e abdominal.
os pensamentos aos poucos foram se apaziguando,
já não parecia tão
desesperador estar no mundo e ser eu mesma. esses primeiros dias foram
os mais difíceis, corpo e mente se adaptando a uma inédita rotina. tive
prisão de ventre e imaginei que fosse o leite, mas não disse nada.
evitava olhar diretamente
para as outras mulheres, mantendo o foco no chão ou nos objetos, mas às
vezes escapava uma comunicação visual.
3 | linhaça, ameixa e funcho
eu persistia, mas falhava em acordar às 4h, pois a meditação da noite era intensa e eu demorava a pegar no sono, agitada e com fome.
a técnica inicial de observar apenas a
região abaixo da narina é uma preparação para o que eles chamam de
vipassana, ensinado no dia 4. ainda que haja polêmicas em relação ao
termo, que aqui é tido como uma técnica, mas para os budistas é um
estado de visão clara da realidade. e de fato, não é possível garantir
que alguém chegue a esse estado a não ser por esforço próprio.
talvez
a falta de exercícios e o consumo de leite juntos tenham gerado muitos
gases e dificuldade para evacuar. me sentia ressecada por dentro. no fim
desse dia falei com a gerente sobre a minha condição e ela se
prontificou a deixar de molho um pote com linhaça, ameixa e funcho.
já
estava bem acostumada com os trajetos quarto - banheiro - sala de
meditação - refeitório. minha vida toda se resumia a esse ritual diário
de deslocamento indo de um para outro e de outro para um. durante esses
primeiros dias algumas mulheres desistiram, eu contei três faltantes.
interessante perceber como cada pessoa está numa fase da vida ou reage
de uma maneira diferente ao encontro consigo mesma.
como em
muitos momentos da vida tinha escutado sobre o quanto o curso do vipassana
era difícil, isso acabou me ajudando. ao invés de me apavorar, eu achei
mais suave e tranquilo do que o esperado, surtiu o efeito contrário.
como o último ano foi um período de inúmeras dificuldades para mim,
sentir que estava preparada física e emocionalmente para vivenciar este
processo foi uma vitória.
4 | dia de vipassana
perceber que a prática de yoga consciente, que vinha aprofundando desde a
pandemia, me preparou despretensiosamente para estar bem sentada e
perceber o corpo com facilidade, sua superfície e sua densidade, foi
maravilhoso. não que eu me apegasse a este fato (tudo bem, talvez um
pouquinho sim), mas eu sempre fui tão austera e exigente comigo mesma
que de repente receber um retorno assim, tipo: "você não precisa sofrer
tanto, você consegue tudo isso com facilidade", foi um deleite.
neste
dia, aprendemos a técnica de vipassana, que consiste em
passar a atenção por todo o corpo, repetidamente, percebendo a sensação
em cada um dos recantos de baixo para cima e de cima para baixo. depois de 3 dias de preparação e a mente completamente focada e sem distrações, esta mudança de técnica teve um efeito arrebatador.
todo o meu corpo pulsava e parecia estar eletrizado, sentia raios por toda a extensão da pele, no rosto, braços e mais ainda nas mãos, o que já me ocorre com frequência ao praticar yoga. outra coisa que senti desde o início foi aquela dor na garganta de quem quer chorar, como se ela estivesse sempre ali, mas eu só agora pudesse notá-la: emoções guardadas que de repente puderam se fazer sentir.
fiquei tão envolvida nesse fluxo de sensações que o resultado foi estar agitada e não conseguir dormir diante do efeito potente das sensações físicas e da impressão de que queria convidar todo o mundo para vir experienciar tal feito.
saí da sala com o corpo ainda pulsando e tomei um banho quente, mas a sensações intensas persistiam. passei a tomar um banho antes de me deitar porque achava que as sensações eliminavam toxinas, que lavava com água.
o mundo interior revela que não há separação entre mente corpo e emoção, essa é uma só substância misturada e da qual geralmente percebemos só a superfície. aqui temos a oportunidade de mergulhar em sua profundidade.
dia 5 | maravilhamento: videogame e super poderes
sentia como se uma rotina se tivesse delineando no decurso desse tempo:
acordo
entre 4h e 6h, faço a higiene matinal, medito ou durmo, tomo banho e
sigo para o café da manhã, encho a garrafa de água quente e preparo a
tintura chinesa, descanso ou faço asanas e sigo para a sessão de
meditação, o sino toca, tomo água e vou ao banheiro, volto para a sala
de meditação e medito até que sinta algum desconforto maior, como dor no
joelho, sigo para o quarto e faço asanas que acomodam, toca o sino do
almoço e vou para o refeitório, encho a garrafa e preparo a tintura,
escovo os dentes e descanso, toca o sino e vou para a sala de meditação
em grupo, os professores chamam nome por nome e perguntam sobre a sua
prática, sigo meditando, toca o sino, levanto, vou ao banheiro e bebo
água, volto para a sala e sigo meditando até que haja algum incômodo
maior, vou para o quarto e me alongo, toca o sino e vou para o lanche,
encho a garrafa de agua para a tintura, descanso e volto para a sala de
meditação, após uma hora toca o sino e posso ir ao banheiro e me alongar
por uns minutos, toca o sino e volto para a sala onde escutamos a
palestra do criador da metodologia, Goenka. após a palestra, a meditação
final do dia, que acaba às 21h e abre a possibilidade de fazer
perguntas para o professor. volto e tomo um banho pois sinto que sai
muita toxina do corpo. durmo entre 22h e 23h.
a partir da mudança de técnica passei a vivenciar intensas vibrações pelo corpo, além, de dores principalmente nas costas. dores que eram uma mistura de sensações físicas e emocionais, mas que causavam incômodo como qualquer dor a que nos submetamos.
sentia as costas arderem em chamas e me supreendia pela quantidade de raiva guardada. o que acreditava ser fogo se relacionava à raiva, afinal. noutros momentos uma bola pulsava nas costas e ia mudando de lugar. fora isso, raios era o que mais sentia, por todo o corpo. às vezes até parecia que meu rosto todo era tomado por raios tão pequenos como teias de aranha, que vibravam na superfície da pele intensamente. percebia também espaços internos, como o sistema digestivo a funcionar de maneira bastante presente.
em alguns momentos as sensações eram tão intensas que me imaginava em um jogo de videogame como a heroína cheia de eletricidade. brincadeiras à parte, buscava cultivar uma atitude equânime para lidar com as sensações sem sofrer ou me sentir poderosa.
dia 6 | funciona para enxaqueca?
pedi uma consulta com o professor principalmente para dizer que estava ficando agitada com sensações tão intensas. ele não me deu nenhuma resposta, pelo contrário, fui eu mesma que supus que estava me movendo muito rápido e que talvez fosse bom ir mais devagar para acalmar a mente.
também perguntei se essa prática regular poderia curar enxaqueca, como narra o Goenka. para não se comprometer, e reforçar que a prática vale por ela mesma e não para alcançar alguma finalidade, ele me disse que poderia ajudar ou não, nesse caso eu deveria tomar uma medicação.
o fato é que tive enxaqueca logo nesse dia de tarde e cheguei a ficar deitada por um tempo, até decidir ir meditar sem muita esperança, pois a dor em geral só passa no dia seguinte. retomei a meditação em grupo e em algum momento a dor cessou. obviamente que o ambiente controlado e livre do excesso de informações e atividade da vida real me ajudou, mas fiquei impressionada com o efeito da prática para o corpo-mente.
dia 7 | passou até que rápido, mas tive que desentupir o ouvido
do dia 1 em diante eu sempre olhava pra frente com a sensação de que havia uma eternidade pela frente, mas quanto mais perto do fim chegava, mais rápido passava o tempo. talvez porque eu fosse me habituando e gostando do processo?
meu ouvido ficou péssimo, mas o centro dispunha
de inúmeros medicamentos e pude lavá-lo com água oxigenada e
aplicar uma bolsa de água quente, o que foi aliviando o muco.
8 | cirurgia espiritual: saindo das entranhas
com os dias de prática, continuava sentido vibrações intensas e dor na garganta. essa sensação foi subindo, chorei enquanto as emoções e acontecimentos surgiam acompanhando o processo que unia diversas dimensões do meu ser.
aconteceu que em um certo momento essa vontade de chorar foi descendo até as vísceras e de lá subiram dois fios que saíram pela minha garganta, como algo real mesmo, eu sentia dois fios subindo e saindo pela boca. eu dei a isso o nome de cirurgia espiritual espontânea, algo que vai acontecendo fora do meu controle.
corpo-mente e emoções se movem quando pousamos a consciência ali, e é isso. não há expectativa nem o que é bom ou ruim, as coisas apenas são. e quanto menos importância nos damos, mais bem estar é sentido. quanto menos ligamos para as dores e os incômodos menos eles importam.
uma analogia que criei para este processo foi a do livro em 3D, aquele que olhamos de perto e de mais longe, focando o olhar, até conseguir destacar uma figura antes não vista. assim me parece ser a meditação: focamos e desfocamos até que estamos mergulhadas em um universo interno e as dores da pele para fora importam pouco.
9 | leveza, flutuação e bem-estar: não deveria me apegar
durante a prática, em alguns momentos me sentia flutuando como se voasse, em outros momentos percebia um fluxo tão leve e sutil pelo corpo que era difícil não se apegar a essa sensação de maravilhamento.
tracei muitos paralelos entre o ensinamento budista, o yoga e a bioenergética: mente e corpo em integração, o corpo tensiona e solta, o corpo guarda, depois alivia. a consciência no corpo direciona a um bem estar maior e maior. a cada dia estabelecia novas conexões e queria dissertar, contar para todo o mundo. mas depois eu entendi que tudo isso tinha sido o meu processo. e cada um tem o seu.
cheguei a pensar que poderia seguir essa rotina por muito tempo, sem
problemas. o lugar era agradável, a comida era ótima e o silêncio
cada vez mais apreciado.
10 | cultivo de amor a todos os seres, metta
quanto mais se passavam os dias, mais sensível e silenciosa eu me tornava. era bonito observar o céu, as flores, os ruídos... cada pequena coisa se tornava atraente, como se houvesse um efeito de cogumelo.
neste dia, houve uma palestra sobre enviar metta a todos os seres, parte dessa postura compassiva. achei interessante, mas nada de novo. percebi que não me emocionei muitas vezes. foram poucos os momentos de choro nesses dez dias, constato.
11 | ah, o silêncio!
o fim do nobre silêncio foi difícil: o silêncio não nos exaure, ele nutre. talvez encerrar o ciclo e sair dali tenha sido o trecho mais difícil: voltar aos ruídos da mente e da vida lá fora.
especial ter vivido este processo que antes parecia tão doloroso. não que não tenha sido, mas é como se a dor fosse também prazer. tudo se mistura quando retiro o foco daquilo que dói ou que é prazeroso.
a verdade é que a vivência potente do retiro não se repete em casa, onde
a prática da meditação fica muito mais monótona e difícil no dia a dia. mas ainda sinto seus benefícios, dias mais noutros menos.
sábado, 7 de maio de 2022
O agro* não é pop e seu dano vai muito além do veneno
Do lado oeste, em Mirituba, o intenso tráfego de carretas vindas do centro-oeste por uma Transamazônica já esburacada significa perigo para as populações locais. Como os/as motoristas ganham por produção, muitas vezes não se dão ao trabalho de zelar pela vida das populações nas beiras da rodovia.
Os grandes silos na beira do Tapajós estocam farelo de soja e de milho além de outros produtos a serem exportados, como o que chamam de mistura do petróleo, que se tornará combustível. Pode-se sentir o fedor da soja que cai dos caminhões e se acumula nas laterais das estradas.
Do lado leste, em Itaituba, o foco é o garimpo. Autodenominada de "cidade pepita", celebra descarada e institucionalmente uma prática feita em sua maioria de maneira ilegal, que polui os rios e invade territórios indígenas e florestas nacionais.
A verdade é que a porteira foi aberta não só para o boi ocupar a Amazônia e o Cerrado, mas para a grilagem com diversos fins, a extração ilegal de madeira e castanha, a pesca e a caça ilegais, a construção de hidrelétricas, o garimpo e a mineração predatória, além do agronegócio.
As chamadas Terras Indígenas (TIs) vão sendo espremidas por empreendimentos que crescem exponencialmente. Muitos de nós não notamos a gravidade da situação por vivermos tão longe de onde ela se passa.
Pude testemunhar a rotina na aldeia Sawre Muybu, que depende da água do rio para banhar, pescar e lavar roupas e da floresta para se alimentar e se conectar com uma mata que em sua cultura significa não só as árvores, mas os animais e as populações convivendo em harmonia.
Para os Munduruku a caça e a pesca são feitas a rigor pela necessidade: o espírito da floresta pode ficar bravo caso a caçada seja feita em excesso.
Mas os empreendimentos do homem branco não têm nenhum conhecimento da cultura indígena local, destruindo locais sagrados e triturando resquícios de uma antiga civilização como se isso fosse o progresso.
Os Munduruku tiveram uma cachoeira de seu território destruída pelo canteiro de obras da hidrelétrica São Luís. Segundo a cosmologia Munduruku, essa cachoeira seria um local sagrado, onde se reuniam as almas desencarnadas do povo.
Segundo o cacique Juárez, elas agora vagam sem lugar e os pajés se preocupam com a raiva e a tristeza que pesam sobre seus ancestrais.
As urnas de barro, peças arqueológicas encontradas pela obra, foram umas levadas para um museu e outras destruídas. Os Munduruku conseguiram resgatar algumas delas mas ainda seguem em busca do restante.
A saúde na aldeia, assim como para todos os povos originários do país, está sucateada mais do que nunca nos últimos anos. Não há estrutura nem material adequado para a equipe trabalhar.
A escola de ensino médio local recebe o professor mas o Estado não provê merenda nem transporte para os jovens que vêm das aldeias vizinhas para estudar.
Até para a internet a aldeia precisa se mobilizar para arcar com os R$1.300 mensais cobrados por uma fraca conexão via satélite. Sem contar o esforço anual de autodemarcar o território já que a Funai deixou de oferecer a proteção adequada nos últimos anos.
Seja os Munduruku do Tapajós ou os Kiriri do sul de Minas, todos os povos indígenas merecem acesso à saúde e educação de qualidade, além do devido apoio para manter seu território e o bem estar de sua comunidade.
E só com um esforço coletivo poderemos fundar um outro modelo de desenvolvimento, que implique em valorizar saberes ancestrais de modo a restituir o que temos sistematicamente destruído.
* o agro serve de metáfora para tantos empreendimentos cruéis que tomam nosso país.
domingo, 30 de agosto de 2020
Muitos mundos, um só planeta
Há dois dias vi um longa do Denys Arcand disponível no Sesc em Casa, o Reino da beleza.
Aos poucos fui percebendo que o filme tratava sobre um dos reinos que existe aqui na Terra, o da classe rica que tem o privilégio de escolher o que faz e como faz, vai e vem a seu bel prazer. Ao retratar esta classe o autor se vale, ironicamente, sobre a velha máxima de que riqueza não traz felicidade.
De toda forma, sendo eu brasileira de classe média, – aquela velha média desprovida de bens – não pude deixar de me surpreender com a quantidade de atividades de lazer realizadas pelos ricos personagens no Canadá de Arcand. Pesca esportiva, esqui, golfe, cartas, futebol, tênis, tantas práticas que me soaram inumeráveis. Fiquei pensando sobre a desigualdade existente entre as culturas abastadas e as carentes, e o quão injusto se conforma nosso planeta para os seres que o habitam nessa "chamada" civilização.
No dia seguinte, por ocasião da abertura da mostra de cinema árabe, assisti ao documentário Gaza, que conta o dia a dia nessa faixa de terra de 40 quilômetros por onze onde vivem dois milhões de pessoas. Aí o bicho pegou. Como podemos co-habitar o mesmo planeta quando nossas conjunturas se diferem de maneira tão brutal? Alguns vivem literalmente presos em seus territórios minúsculos enquanto outros podem queimar combustível fóssil à vontade e são bem-vindos onde quer que decidam ir.
A pandemia só escancara que viver para uns pode facilmente ser uma delícia enquanto pra outros é uma dor com a qual se resignam, a fim de buscar alguma fresta de alegria e conforto. Que haja a possibilidade de outra civilização, que não aceite a dor e a indignidade humana e tenha nisso seu mote principal.
sexta-feira, 15 de maio de 2020
sentimentos da quarentena
hoje o Vini acordou tão cedo...
ghee
bolo de cenoura
chapati maravilhoso
fiz yoga do Rojo, tou fazendo dia sim, dia não
no outro gravo uma aula como posso
comecei um estudo lendo o tijolo do Eliade
mergulhos no Ser, buscando a capacidade de abstração
sol, lavar roupa, ler, live da Teresa Cristina, merda do governo, soluço, respiro
as pérolas da quarentena são a família Rojo, a Teresa Cristina e o Vidal
já são dois meses assim, de medo do caos social e descoberta de um breve samadhi que me veio
já não sofro tanto
me distanciei desse mim que me colocou pra baixo a vida toda, deixei ele pra lá, tou bem melhor
preciso mais provar nada pra ninguém, nem agradar, nem ser correta, nem produtiva
preciso mais analisar nada
respirar e sentir, sem analisar
fluir, deixar fluir, finalmente, aos 36 anos. demorou, né?
fiquei muito tempo grudada nos erros do passado, no medo do futuro, grudada nesse mim tacanho, mesquinho e chato
ufaaaaaaaaaaaaaaaaaa